sexta-feira, 14 de março de 2008

Bela Adormecida

Houve sempre uma coisa que me fez confusão.
No conto da Bela Adormecida, a princesa pica-se e fica a dormir cem anos.
Depois aparece o príncipe, dá-lhe um beijo e ela acorda. E pronto, ficam juntos os dois.
Mas ela ficou a dormir cem anos. Ela é, pelo menos, cem anos mais velha do que o príncipe. A Bela Adormecida tem idade para ser tetravó do príncipe. Ninguém nota a diferença?
Quando me vinham com a história da Bela Adormecida, eu fazia sempre esta pergunta. Diziam que era uma história e mandavam-me calar. Mesmo a dormir as pessoas envelhecem, dizia eu que nunca fui muito obediente. Foi um truque das fadas boas, diziam e mandavam-me calar. As fadas são como o Pai Natal, não existem, respondia-lhes. Então, explicaram-me que a Bela Adormecida fez operações plásticas de modo a:
a) quando acordasse não apanhar um choque ao ver-se ao espelho
b) o príncipe não descobrir a sua verdadeira idade
Ainda com curiosidade perguntei se toda a família da Bela Adormecida tinha feito operações plásticas, pois as fadas tinham posto toda a gente do Castelo a dormir. Disseram-me que sim e aí obrigaram-me mesmo a calar. Nunca gostei muito desta história, faltava-lhe coerência. Até porque existe diferença de mentalidades entre uma mulher de 120 anos e um rapaz de 20. O mundo muda em cem anos. Ou não? Cem anos é um século. Ou não? Por muitas operações que a Bela Adormecida e a família fizessem, seriam sempre de outro tempo. Fiquei com isto na cabeça até hoje. Será que sou o único?


Margarida Fernandes

Como serei eu aos 84 anos?

Esta narrativa é comovente, considerando-se que a maioria das pessoas já perdeu a fé na gentileza e consideração entre as pessoas. Esta carta foi enviada ao director de uma escola primária que tinha oferecido um almoço em homenagem a pessoas idosas da comunidade. Durante o almoço, uma senhora, de idade avançada, ganhou um novo rádio num sorteio realizado com os cupões que foram entregues na porta. Poucos dias depois, ela escreveu a seguinte carta em agradecimento. Esta história é uma homenagem a toda a humanidade e serve para reflectirmos sobre as relações humanas. Encaminhe para as pessoas que neste momento estejam a precisar de um incentivo.

"Caros alunos e membros da direcção Deus Vos abençoe pelo lindo rádio que ganhei durante o almoço em homenagem aos idosos! Eu tenho 84 anos e moro num lar de velhinhos.Toda a minha família já faleceu, eu não tenho mais parentes. Por isso, foi muito reconfortante saber que existem pessoas que ainda pensam em mim. A minha companheira de quarto tem 95 anos de idade e ela teve um rádio durante muitos anos. Antes de eu ganhar este, ela nunca permitiu que eu ouvisse o rádio dela, mesmo quando ela estava a dormir. No entanto, há uns dias atrás, o rádio dela caiu da mesinha de cabeceira e espatifou-se no chão. Foi muito triste e ela chorou muito. Então, ela pediu-me para ouvir o meu rádio, e eu disse: Nem que te fodas toda, puta do caralho!!!'.

Obrigada por me proporcionarem essa oportunidade.

Sinceramente,

Gumercinda Alves de Souza."

"Dream Palace"

O Dream Palace é o local ideal para você viver.
Venha visitar-nos na zona nobre da cidade, tendo como vista permanente o mar.

Os nossos apartamentos são espaçosos e decorados com gosto moderno. Todos têm acessos com rampas, suites com casas-de-banho adaptáveis a pessoas com mobilidade reduzida e cozinhas inteligentes para que a tarefa de preparar a sua refeição não seja um pesadelo. Em cada uma das divisões poderá tocar, em caso de emergência, numa das campainhas SOS e o nosso corpo médico irá de imediato em seu auxílio.

E para que cuidar de si não seja um martírio para os outros, nas suites do Dream Palace irá encontrar camas altas que facilitam a tarefa aos dos nossos enfermeiros.

Como sabemos que o caminhar é uma tarefa árdua e perigosa, no Dream Palace não necessita de ir longe para encontrar o que deseja. Aqui existem farmácias, solários, supermercados, boutiques, cabeleireiros, perfumarias. Se gosta de se divertir pode até dar um salto ao Casino Palace, onde é possível jogar com moedas de um cêntimo!

No Dream Palace existe ainda uma capela, com serviço religioso duas vezes por dia. No caso de seguir outra religião, a administração coloca ao seu dispor o culto religioso que quiser.

Porque parar é morrer, existe no Dream Palace um ginásio adaptado às suas necessidades. Os nossos fisiatras estão à sua disposição com um serviço personalizado e profissional. Também existe uma piscina de água salgada interior e aquecida. No exterior, para os dias quentes de Verão, poderá mergulhar na fantástica piscina tropical sem precisar do incómodo de viajar para longe.

O Dream Palace é um condomínio fechado, vigiado por um corpo especial de segurança 24 horas diárias. Também encontrará na sua habitação um telefone vermelho com ligação directa à polícia e aos bombeiros.

O Dream Palace, pensando no seu bem-estar, preparou um ambiente acolhedor só para si que vai passar tantas horas sozinho à espera da visita dos seus familiares. Os amigos não virão, pois já morreram todos. Irá encontrar aqui uma televisão panorâmica onde poderá visionar o Preço Certo diariamente e bater palmas ao Fernando Mendes.

O Dream Palace é adequado para si que está em vias de morrer, mas que não morre. Para si que é um velho prestes a perder o juízo, mas que sabe melhor fazer contas do que o seu neto licenciado em Engenharia Civil.

O Dream Palace é o destino certo para você que anda aos tombos na casa dos filhos que já não o suportam ver vivo, os seus filhos com os dias tão ocupados que o olham como um biblot inútil sentado no sofá.

Se sente que o encaram como um farrapo velho é porque essa é a realidade. Não insista. O seu tempo acabou, então se os seus netos estão na adolescência já nem para ama serve. Esqueça. É hora de vir para o Dream Palace.

A sua vida morreu, assim como morreu o seu marido ou esposa, assim como morreram os seus amigos, assim como morreram os anos todos em que tinha controlo da sua vida. Neste momento, se sente que não vale um tostão é porque não vale mesmo. Você chegou ao fim. De que é que está à espera?

O Dream Palace é o jazigo onde será depositado vivo, tão vivo como se tivesse vinte anos mas enfiado num corpo de oitenta que ninguém mais quer ver à frente. Nem aos fins-de-semana, nem no Natal, nem nunca.

Venha até ao Dream Palace e morra em paz em frente ao mar. Vai ver que os seus familiares agradecem.


Margarida Fernandes

quinta-feira, 13 de março de 2008

Preço certo



Quem é que disse 15? Quem é que disse quinze? Acertei!!!

Fotografias de Cena






Fotografias de Sandra Preto

Fotografias de Cena










quarta-feira, 5 de março de 2008

Reservas de Bilhetes

Para reservar bilhetes faça-o através do mail: umacordarcinzento@gmail.com ou pelos telefones 96 629 32 16 ou 91 415 83 57 até às 17h.

Levantamento dos bilhetes deverão ser feitos no local até às 21.15 do próprio dia.
Fábrica, R. da Alegria nº 341 Porto

Horário do espectáculo: 21.30
Duração apróx. 50 min.
Lotação máxima: 40 pessoas

Obrigado!!!

domingo, 2 de março de 2008

Sinopse Revisitada

Como serei eu aos 90 anos?
Quererei morrer antes do corpo me começar a doer?

Hoje aparece uma ruga, amanhã um cabelo branco e depois vêm as dores nas pernas, as dores nas mãos e o corpo já não pode mais. Mas quando ainda nos resta a memória, podemos sempre recordar. Precisamos de recordar para perceber o sentido das coisas à medida que nos apróximamos do fim.

Resta-nos aceitar ou correr contra o tempo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mostra Informal organizada pelo NEC

O NEC colabora na organização da última apresentação informal desta criação colectiva de Ana Lúcia Cruz e Gilberto Oliveira, com estreia prevista para dia 7 de Março, no espaço da Fábrica, no Porto.

Mostra informal de trabalho em processo seguida de conversa com o público

1 de Março :: 18h
Fábrica
R. da Alegria, 341
Porto

Entrada gratuita sujeita a confirmação através dos seguintes contactos: 22 518 85 22, 96 142 46 68 ou nec@nec.co.pt até às 17h do dia 29 de Fevereiro.

"O Banquete"

“Recordar-se não é o mesmo que lembrar-se; não são de maneira nenhuma idênticos. Podemos muito bem lembrarmo-nos de um evento, rememorá-lo com todos os pormenores, sem por isso dele ter a recordação. A memória não é mais do que uma condição transitória da recordação: ela permite ao vivido que se apresente para consagrar a recordação. Esta distinção torna-se manifesta ao exame das diversas idades da vida. O velho perde a memória, que geralmente é de todas as faculdades a primeira a desaparecer. No entanto, o velho tem algo de poeta; a imaginação popular vê no velho um profeta, animado pelo espírito divino. Mas a recordação é a sua melhor força, a consolação que os sustenta, porque lhe dá a visão distante, a visão de poeta. (…) Os óculos dos velhos são graduados para ver ao perto; mas o jovem que tem de usar óculos, usa-os para ver ao longe; porque lhe falta o poder da recordação, que tem por efeito afastar, distanciar. “

Soren Kierkegaard

"Memórias de Adriano"

“Tenho sessenta anos. Não te iludas: não estou ainda bastante fraco para ceder às imaginações do medo, quase tão absurdas como as da esperança e seguramente muito mais penosas. Se fosse preciso enganar-me a mim mesmo, preferia que fosse no sentido da confiança; não perderia mais com isso e sofreria menos. Este fim tão próximo não é necessariamente imediato; deito-me ainda, todas as noites, com a esperança de chegar à manhã seguinte.”

Marguerite Yourcenar

"Os devaneios do caminhante solitário"

“O estudo de um velho, se é que ainda tem algo a estudar, consiste unicamente em aprender a morrer (…)”

Jean-Jacques Rousseau

"As velas ardem até ao fim"

“(…) primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque, por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações (…)”

Sándor Márai

William Butler Yeats

WHEN you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face among a crowd of stars.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Lightning over water




Wim Wenders e Nicholas Ray

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Prepara-te para a morte e segue-me

"Como és agora, assim fui eu em tempos.
Prepara-te para a morte e segue-me."

Pedra tumular em Nova Inglaterra

"Eu não estou louca, apenas velha. Afirmo-o para ganhar coragem.
(...)
A velhice dizem que é uma desistência gradual.
(...)
Encontro-me num campo de concentração para velhos, um lugar onde as pessoas despejam os familiares como se fosem um balde para cinzas.
(...)
Só estará bem neste lugar quem for totalmente passivo; quem resistir é louco ou perigoso.
(...)
A minha raiva, porque sou velha, é considerada sinal de loucura ou senilidade. Não é isto cruel? Retirar-nos-ão até a raiva justificada? Será também a irritação tratada como um sintoma?
(...)
As lágrimas são uma ofensa, fazem com que os outros se sintam atacados."
(...)
Só as vacas vão docilmente para a matança."

May Sarton

Hayao Miyazaki, O castelo andante



"O que a velhice tem de bom é não termos nada a perder!"

Ingmar Bergman, Morangos Silvestres

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Fellini, Ginger e Fred



"Não gosto dos comboiois que partem"
(Fred)

Requiem for a dream

Baby Jane Hudson

What ever happened to baby jane?

Straight Story by Lynch



"A pior parte de ser velho é lembrarmo-nos de quando eramos novos."

Oração da Terceira Idade

Senhor, ensina-me a envelhecer.

Ajuda-me a reconhecer as coisas boas da minha vida,
dá-me força para aceitar as minhas limitações
cedendo aos outros o meu lugar, sem ressentimentos nem recriminações.
Que eu aceite ir-me desapegando das coisas,
e veja nisso uma sábia lei da tua Providência,
que regula o tempo e preside à vida das gerações.

Faz, Senhor,
que eu seja ainda útil para o mundo, com as minhas pequenas tarefas,
mas sobretudo com o meu testemunho de paciência e bondade,
de serenidade, alegria e paz.

Dá-me, Senhor, a tua força
para enfrentar as contrariedades de cada dia,
particularmente a doença e a solidão.

Que os últimos anos da minha vida mortal sejam como um pôr-do-sol feliz:
que eu saiba envelhecer e morrer com a serenidade e coragem
com que Tu, Senhor, morreste na Cruz!

Para que um dia possa também ressuscitar para a glória do teu e nosso Pai
e ir ao encontro daqueles que partiram antes de mim!

Ámen.

Pudor

"Primeiro tinha deixado de prestar para trabalhar. A seguir deixou de prestar para ter uma casa. Finalmente, deixou de prestar para querer. Agora nem sequer prestava para recordar. Só para olhar. 
(...) 
Um par de cuecas, a escova de dentes, a bata. Uma vez, há anos, pensou que acumularia muitos pertences à medida que avançasse para a velhice. Interrogou-se onde estariam todos os objectos que tinham passado pela sua vida. As coisas que levava na mala eram apenas as suas últimas coisas."

Santiago Roncagliolo

Uma cana de pesca para o meu avô

"Avô, tu também jogas futebol?
O futebol é que joga com o teu avô.
Com quem estás a falar?
Contigo, contigo, quando eras pequeno.
Com este menino descalço?
Com esta alma despida.
Tens alma, tu?
Espero que sim, senão estaria muito só neste mundo.
Sentes-te só?
Creio que sim, neste mundo.
Em que mundo?
Neste mundo interior desconhecido dos outros.
Ainda tens um mundo interior?
Espero bem que sim, só neste mundo é que te sentes livre."

                                                                                                  Gao Xingjian

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Fábrica

A Fábrica é um espaço de criação na área das artes performativas que surge no Porto onde residem oito companhias de teatro e uma produtora de cinema e em que o edifício é gentilmente cedido pela ESMAE - IPP. Todas estas companhias são recentes e apostam sobretudo na criação de linguagens próprias criando identidades bastante particulares. Este espaço é também composto por uma sala de apresentações que permite a divulgação dos trabalhos que as companhias produzem assim como o acolhimento de projectos exteriores à própria Fábrica.

Introdução

Este projecto surge da vontade de criar um espectáculo que aborde as questões que se levantam quando falamos da velhice. Pretendemos fazer uma abordagem a este universo de modo a criar um contexto de reflexão acerca da condiçaõ de "ser velho". Pensar no que isso significa, tendo em conta que é consequência inevitável da passagem do tempo. Este processo cronológico pelo qual um indivíduo se torna mais velho consiste num processo de deterioração inexorável e irreversível, em que a vida parece ficar resumida a um conjunto de memórias ou recordações. Já não são os sonhos do que há-de vir, que oferecem sentido à sua existência, mas a possibilidade de recordar ou reviver o que foram um dia.
Interessa-nos pensar na velhice como um processo natural de envelhecimento, na medida em que é um facto da existência humana, inevitável e universal. Acontece em tudo o que existe, em todos os seres vivos, em todos os objectos. Reflectir acerca desta condição, no sentido de perceber quais as consequências deste processo, quer seja ao nível cognitivo e emocional, ao nível da perda das capacidades físicas e motoras bem como sob o ponto de vista sócio-cultural, no modo como é olhada a velhice numa sociedade ocidental.

Ficha

Co-produção: Ana Lúcia Cruz e Gilberto Oliveira / GDA

Concepção artística e plástica: Ana Lúcia Cruz e Gilberto Oliveira
Interpretação e dramaturgia: Ana Lúcia Cruz e Gilberto Oliveira
Textos: Margarida Fernandes
Design: Julio Dolbeth

Duração apróximada: 60 min

Estreia prevista: 7 de Março de 2008
Local de apresentação: Fábrica, Rua da Alegria, nº341, Porto

Sinopse


E se um dia acordarmos e temos 80 anos? Olhamos à volta e percebemos que estamos confinados a um espaço porque demoramos demasiado tempo a chegar à porta.

A nossa memória é a única viagem que ainda conseguimos percorrer:

O que vamos recordar?
O que recordamos é imaginado?
Fantasiamos sobre as nossas próprias recordações?

O tempo que levamos a chegar àquela porta é o suficiente para adormecer o presente e reencontrar o passado.